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terça-feira, 17 de abril de 2012

A Redução ao Absurdo

Seguia a caminho do meu escritório a ouvir na rádio do carro o programa “Antena Aberta”, uma rubrica diária da Antena 1 que conta com a opinião via telefone dos ouvintes sobre um dado tema. Hoje o assunto versava sobre o impedimento de muitos alunos de continuarem os seus estudos no ensino superior por razões económicas.

Fiquei particularmente incomodado com o testemunho de um padre – salvo erro, chama-se Nuno Santos – dirigente do Serviço Nacional da Pastoral do Ensino Superior, com fortes críticas aos critérios de atribuíção das bolsas e na perda de apoios nos transportes para alunos deslocados.

Dizia ele que há muitos alunos com excelentes capacidades que estão a ser impedidos de estudar e deixam o ensino superior por razões exclusivamente económicas e que «o ensino superior está a ficar destinado exclusivamente a gente com possibilidades económicas e os próximos anos vão acentuar em muito esta realidade». Isto, porque o Estado deixou de atribuír bolsas a alunos cujos pais têm dívidas ao fisco ou à Segurança Social.

Passei a manhã a remoer a questão. Veio-me à memória um caso que conheço de perto por razões profissionais e que ilustra sobejamente o que de absurdo se vai passando por este país.

F e C, operários da construção civil, decidiram montar há cerca de doze anos a sua própria empresa e tornaram-se sócios. Começaram por realizar pequenas empreitadas para construtoras maiores e mais tarde, com os pés mais assentes na terra, arriscaram concorrer directamente a algumas obras postas a concurso pelos Ministérios da Educação e da Saúde e por algumas Autarquias: reabilitação de edifícios e construção de escolas. «Pouco mais tenho que a 4ª classe, mas o meu filho há-de tirar Engenharia, que o rapaz tem boa cabeça», confidenciava-me um dia F, orgulhoso das boas notas do filho no 12º ano. Ganharam alguns concursos, adquiriram algum equipamento novo, admitiram mais pessoal para não falharem os prazos de execução, e deitaram mãos às obras.

O filho de F entrou no ISEL para cursar Engenharia e as filhas de C foi uma para Direito e outra para Farmácia. Todos bons alunos.

Estive um período sem os ver. Encontrei F no princípio do ano e tive dificuldade em reconhecê-lo. Magro, olheirento, cabelo prematuramente embranquecido, cruzou-se comigo junto à estação de Oeiras quase sem me ver. Fomos beber um café e ele lá se abriu comigo. Das obras realizadas para os ministérios, receberam duma um ano depois e da outra dezoito meses depois; das obras para as câmaras municipais ainda nada foi recebido. «Não contavam que o banco lhes falhasse com o empréstimo, dizem eles, talvez me paguem alguma coisa lá para o Verão», desabafou «Mas já vêm tarde. Já perdemos as máquinas e as viaturas por falha nas prestações, despedimos o pessoal sem indemnização e eles meteram-nos em tribunal, falhamos alguns pagamentos a fornecedores de material e as firmas pediram a nossa falência». «E o seu filho?», perguntei eu na esperança de, pelo menos, uma boa notícia. «Olhe, ainda teve alguma sorte, está a trabalhar num McDonald’s perto de Cascais. O que ganha quase não lhe chega para as passagens mas sempre lhe dá para ter uns tostões no bolso», respondeu F com a expressão de quem acha que nem tudo é mau. «Teve foi de deixar de estudar, claro. Ainda concorreu a uma bolsa mas não lha deram. Dizem que eu tenho dívidas ao fisco, o que é verdade. Não paguei algumas contribuíções do pessoal para a Segurança Social e não consegui pagar o IVA das facturas que passei às câmaras municipais», disse com ar pesaroso. «O Estado pagou-me tarde e a más horas; as câmaras, que se virmos bem tambem são Estado, ainda não me pagaram, mas eu não posso falhar nenhum pagamento ao próprio Estado». Com a revolta contida o rosto ruborizou-se um pouco, mas logo abaulou os ombros e a voz saíu-lhe num fio quando questionou, como que a falar de si para si: «Mas, afinal, que culpa tem o meu filho de eu ter dívidas ao Estado?».

Tentei tambem saber do sócio. A mulher foi com as filhas para casa dos pais, lá para os lados de Castelo Brando e C foi para Angola. «Não tenho sabido nada dele, não sei se está bem se está mal, mas olhe, foi o melhor que ele fez, que isto aqui só já lá vai à bordoada», afirmou quando nos despedimos à saída.

De F não tive mais notícias (deixei-lhe o meu contacto mas, estupidamente, não fiquei com o contacto dele), mas, a espaços, como hoje, vou tendo notícias dos milhares de Fs que, cada vez mais, vão abundando no meu País.

1 comentário:

  1. Infelizmente, como essa história é cada vez mais vezes contada, e o país vai alegremente ao encontro do iceberg, que até já se sabe onde está...

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