Etiquetas

Family (30) Work (16) Planning (13) Health and Beauty (12) Home (12) World (12) P... (10) Ambiente (9) Maternity (5) Viagens (4) Economia doméstica (3)

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

A cenoura e o bastão

Mobbing é desumano, quem o pratica não tem o coração no sítio certo e não vive de acordo com os princípios universais pelos quais deveríamos todos reger a nossa vida. Há maneiras inteligentes e maneiras estúpidas de fazer mobbing, mas normalmente o impacto é o mesmo. Sendo este um crime punível por lei, o segredo de quem pratica este tipo de tortura psicológica é não deixar testemunhas. Transforma-se assim num caso de violência psicológica do género "a minha palavra contra a tua", que ainda por cima comporta vergonha e humilhação à vítima.
Um exemplo. Numa empresa P trabalham J e V, sendo que V é o chefe directo de J. A empresa P está desesperada por reduzir o efectivo - cortar cabeças no jargão canibal que usam no mundo empresarial impiedoso. Escolhem os melhores candidatos a dispensar. Em alguns países é fácil despedir pessoas, mesmo sem justa causa. Noutros, menos. E a empresa P deve respeitar a lei do trabalho também nos países em que não é fácil despedir pessoas. Portanto, das duas uma: ou declara publicamente que está em contracção (comprovada...) e que despedirá x pessoas, ou incentiva as pessoas a despedir-se. Chamam-lhe separação voluntária (parece um termo inócuo, não parece?). Como convencer os voluntários escolhidos a aceitar a separação? Com uma indemnização, que pode ser maior ou menor dependendo dos acordos feitos com os sindicatos e o orçamento central posto à disposição pela empresa para resolver a situação. Seja como for o tempo das vacas gordas já foi e as indemnizações de hoje não são chorudas, não servem para pagar dívidas, casas ou viajar. Servem apenas para comprar tempo e sobreviver até se conseguir encontrar outro trabalho. E por isso é casa vez mais difícil convencer os escolhidos a serem voluntários para a dita inócua separação.
Até aqui tudo OK. São regras de um jogo que se aceita jogar quando se trabalha para empresas privadas. Mas voltemos a J e a V, trabalhadores ambos na empresa P. J, entre outros, foi escolhido como cabeça a dispensar. Uma reestruturação casual de funções esvazia J e as outras cabeças escolhidas de projectos. J, que até gosta de trabalhar, sem perceber porquê, sente a sua frustração no trabalho aumentar enormemente. Dois meses depois V faz-lhe a proposta de separação voluntária. Mas uma vez que a indemnização não basta para pagar a casa e muito provavelmente não compra o tempo suficiente para encontrar outro trabalho digno, J declara "com esse dinheiro não faço nada, do que eu preciso é de um emprego". V pensa "Melhor ainda, poupo o dinheiro da indemnização à empresa e com poucas patacas contrato um agência de trabalho para encontrar outro trabalho a J". Faz a proposta a J e ele aceita, pois afinal o casamento para a vida foi com a cara metade, não com P. Quem sabe se um novo emprego não lhe trará mais satisfação? Mas sem compromisso de se despedir, pois J sabe que o mercado de trabalho está difícil e que há uma forte possibilidade de não encontrar uma oportunidade digna de tal nome nos tempos estipulados. 
O tempo passa e V, com precisão matemática de quem vive para a agenda, na última semana de cada mês reúne privadamente com J para sondar os resultados do programa de outplacement. São passados 3 meses e o programa não trouxe ainda resultados e V começa a ficar impaciente. Resolve aumentar a cenoura. E adiciona ao programa de outplacement a indemnização inicial, com um senão - J deve despedir-se dentro de 6 meses ou perde direito ao dinheiro posto de parte para ele. J agradece, diz que pensará mas que em princípio não tenciona despedir-se  sem encontrar outro emprego primeiro. 
Mais um mês passa e V volta à carga. A cenoura mantém-se mas desta vez decide usar também o bastão. Infelizmente a empresa está mesmo a cortar cabeças (chama-lhe productivity gain), o posto de trabalho de J em Julho deixará de existir. E quem sabe o que a empresa fará (ameaça velada), o melhor é J aceitar a proposta e ir-se embora. J sente a  bastonada, mas visto que não é um burro reage com a dignidade dos homens e mantém-se firme nos seus propósitos. Dentro de si pensa que se calhar deveria consultar o sindicato, mas como é Natal adia a acção para o reentro das festas. Entretanto começa a ter crises de ânsia e a não dormir de noite com a preocupação de ficar desempregado aos quarenta anos. 
Mais um mês passa e V volta a convocar J para uma reunião privada. Então? Ainda não tomaste uma decisão? Começo a ficar preocupado que se calhar não percebeste a gravidade da tua situação. J não cede e começa a fazer perguntas. Quantas pessoas serão dispensadas neste productivity gain? Visto que a empresa P está sempre a contratar pessoas novas, porque é que em vez de me despedir não me transfere para outro posto de trabalho? J está disposto a considerar transferência de sede, mudança de funções, demoção. Mas o bastão de V é implacável: J ou aceita a separação voluntária até Junho ou em Julho é despedido e não recebe um tostão. E a empresa tem o quadro legal para fazê-lo visto que está em contracção. E se o que impede J de aceitar esta proposta é o não ter encontrado ainda emprego, então que comece a procurar noutro sítio, com ordenados mais baixos, com contratos precários, com agências de trabalho interinal. Bastonada depois de bastonada.
J não sabe o que fazer. Ir trabalhar transformou-se numa tortura. As crises de ânsia aumentam e os colegas lançam-lhe olhares piedosos, o que só aumenta a sua humilhação. As noites de insónia debilitam o sistema imunitário e as doenças oportunistas começam a manifestar-se. J começa a faltar ao trabalho com alguma frequência. E entra em depressão. Pede o conselho de um advogado, mas este confirma que se de facto a empresa está a reduzir pessoal tem o quadro legal para o despedir. E que mobbing é quase sempre impossível de comprovar quando não há testemunhas directas.
Para tudo na vida é preciso um bocadinho de sorte. J tem a sorte de ter bons amigos. Será porque também J é um bom amigo. Em conversa com uma amiga que no passado foi sua chefe J desabafa toda a situação. E esta dá-lhe conselhos preciosos. Primeiro, contrapropor uma cenoura que para J seja suficiente; Segundo evitar o bastão pedindo um mediador dos recursos humanos; Terceiro considerar seriamente meter um atestado por depressão até a negociação não terminar. Mas esta boa amiga foi mais longe, mesmo sem que J soubesse. Foi falar com G, o chefe de V.
Um dia a secretária de G comunica a J que deve ir almoçar com G. J tem uma crise de ânsia, mas lá se acalma e de cabeça erguida prepara-se para mais uma sessão de bastonadas. O almoço decorre de maneira muito tranquila, G quer só saber como procede o programa de outplacement. E em conversa J acaba por contar-lhe que tem tido crises de ânsia desde que V lhe comunicou que em Julho seria despedido. G ficou boquiaberto. Outplacement sim, separação voluntária sim, mas despedimento não. Era uma novidade para ele. Como novidade? Perguntou J de rajada. Então o Productivity Gain? As cabeças a cortar? (a propósito quantas são?)  O quadro legal que permete à empresa despedir sem justa causa? Não sei de nada, reafirma G, e promete informar-se.
Passa um dia. Ontem V convocou J para uma reunião privada - só 5 minutos promete quando vê J indeciso. Tinha falado com G. Percebeste mal, disse V com os olhos no chão. Eu nunca disse que serias despedido depois de Julho. Aliás, não serás absolutamente despedido. A cenoura de separação voluntária mantém-se só até Junho, isso sim, mas se não aceitares ninguém te faz nada. J fica abismado com o caronha sem princípios. Ainda por cima passa por aquele que percebeu mal...  
Quem faz mobbing não é uma pessoa de princípios. Quem é capaz de deliberadamente exercer esse tipo de violência psicológica sem se preocupar minimamente com as consequência de saúde, equilíbrio, dignidade dos outros é um ser humano inferior.
Abreijos

1 comentário:

  1. É evidente que V procedeu mal. Demonstrou acima de tudo que tem uma personalidade pouco confiável; primeiro, pela utilização de um processo cínico para afastar J de forma pouco ortodoxa; segundo, porque meteu o rabo entre as pernas perante G, não explicando as eventuais razões que o levaram a proceder dessa forma; por último, porque assumiu perante J a posição dúbia de ter sido mal interpretado.
    Com tudo isto, penso que J ficou numa posição relativamente confortável, ou, no mínimo, menos desconfortável.Por um lado, ficou consciente de que venceu uma pequena batalha ao rechaçar um ataque ardiloso e que, se não encontrar outro local de trabalho que lhe interesse, não será por isso que será despedido de P. Por outro lado, porem, não quer dizer que tenha ganho a guerra. Se o "inimigo" atacou uma vez, certamente atacará novamente e porventura com alguma arma mais eficaz. J terá que estar preparado para cortar as vazas dos eventuais trunfos que V possa utilizar. Ou seja, J terá que munir-se de trunfos mais altos, mostrando que o abalo psicológico já lá vai - nem que tal ainda não seja completamente verdade - e, principalmente, que está pronto a demonstrar que o seu trabalho tem qualidade desde que não lhe dêem tarefas frustantes e vazias de conteúdo válido. E depois,demonstrar mesmo!! Porque, convem não esquecer, teve uma amiga que meteu o ombro a seu favor e não pode ficar mal perante G. Se J é uma pessoa de superior inteligência, como eu tenho a certeza que é, vai com certeza saber levantar a cabeça e mostrar o que vale, mantendo uma correcta relação institucional com V, no sentido de lhe demonstrar que estava errado ao proceder da forma como procedeu. É dessa maneira que, logo à partida, lhe poderá sonegar novos trunfos.

    ResponderEliminar