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quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

O "Sá Carneiro"

Era Dezembro e estava frio. Tinhamos acabado de jantar e, alinhados em semi-círculo à volta da lareira da sala, absorvíamos atentamente as notícias que, minuto a minuto, eram actualizadas na televisão: o Primeiro Ministro acabara de morrer num acidente de avião. Com ele seguiam o Ministro da Defesa e mais pessoas, ainda não se sabia exactamente quem, alem do piloto e do co-piloto. Todos tinham perecido num impressionante amálgama de ferros torcidos que as imagens iam documentando.
As consequências desta tragédia eram tema de conversa com os meus primos que tambem tinham jantado connosco: quem iria suceder como Primeiro Ministro, quais as repercussões na campanha em curso para a Presidência da República, qual o futuro da coligação governamental, enfim, a natural discussão em face de tão dramático acontecimento. As minhas filhas, pequenitas de dez e oito anos, sentadas no chão em frente à lareira, acompanhavam excitadas as notícias e as conversas.
Duas ou três horas depois, os meus primos consideraram que a hora já ia adiantada, vestiram os seus abafos e deram as boas noites. Acompanhei-os à saída mas mal abri a porta da rua entrou um gato pela casa dentro. Era grande e tigrado. Não correu, não saltou, não miou sequer, simplesmente entrou em passo lento e decidido, cabeça e cauda bem levantadas, olhos majestosamente focados em frente, atitude de dono e senhor. Passou junto a mim sem me ligar a mínima importância e dirigiu-se à sala. Parou junto à lareira, encarou cada um dos presentes embasbacados, fixou mais longamente os enormes e rasgados olhos verdes nos olhos das minhas filhas e, calmamente, enrolou-se frente ao borralho. E diz a minha filha mais nova, fazendo jus da sua fértil imaginação e sensibilidade à flor da pele: "Parece mesmo o Sá Carneiro. Será o espirito dele?"
"Sá Carneiro" ficou. Não tinha coleira, ninguem na vizinhança se queixou do desaparecimento de gato de estimação, mas era indubitavelmente um bichano urbano. Amistoso q.b., não dava muita confiança. Miava - um miado apenas - quando queria saír para fazer as suas necessidades ou quando considerava que estava na hora da sua refeição. Uma vez satisfeito voltava a deitar-se, cabeça pensativa sobre as patas cruzadas como que a decidir o futuro imediato.

Dois dias depois, conforme entrou assim saíu e nunca mais o vimos.

Ainda hoje, de vez em quando, dizemos por piada que o espírito de Sá Carneiro passou lá por casa antes de seguir viagem para a eternidade, mas nem sempre sorrimos ao dizê-lo.


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