Etiquetas

Family (30) Work (16) Planning (13) Health and Beauty (12) Home (12) World (12) P... (10) Ambiente (9) Maternity (5) Viagens (4) Economia doméstica (3)

sábado, 28 de janeiro de 2012

A Importância do assento agudo

À época, o quintal da casa de Belem tinha bastantes mais canteiros do que tem hoje e era por ali, entre algumas flores e muitas ervas, que o Jeremias se anichava.
Tinha sido encontrado por acaso no leito da ribeira que nasce na serra de Grândola e passa, a caminho do mar, a uns cinquenta metros da nossa casa de férias no Alentejo. Escassa de água, que só corre quando chove, na maior parte do ano a ribeira apresenta apenas, aqui e ali, vestígios da humidade residual dos charcos mais persistentes. Era por aí que o Jeremias se arrastava certamente em busca da água vital à sua sobrevivência.
Quem o encontrou foi a Riquelina, a vizinha que vivia e ainda vive a uns trezentos metros da nossa casa. Mulher da terra, dona de uma insensibilidade pouco comum mesmo numa região em que a subsistência exige absoluto pragmatismo no modo de vida, a Riquelina pegou no Jeremias e largou-o no fundo de um bidon vazio que tinha servido, provavelmente, como recipiente de gasóleo para o tractor. Sem comida, sem água, sujeito ao calor concentrado naquele contentor de paredes metálicas, o Jeremias agonizava. Quando ela nos contou a novidade fomos vê-lo. Cientes que se ali ficasse depressa morreria, quisemos trazê-lo para Lisboa ao que a mulher acedeu com um encolher de ombros.
O Jeremias arrebitou e rapidamente se ambientou ao nosso quintal onde vivia camuflado entre as plantas que as minhas filhas tinham o cuidado de manter sempre húmidas de tão regadas. Já não me recordo por que razão é que elas o baptizaram de Jeremias mas, valha a verdade, o nome assentava-lhe que nem uma luva. A dada altura - juro que é verdade - o Jeremias dava pelo nome e vinha ter connosco quando o chamávamos. Estendia a cabeça e - continuo sob juramento - aceitava pacificamente e mastigava deliciado pedacitos de salsicha e de chouriço como se nunca tivesse comido outra coisa na vida. Durante algum tempo o Jeremias foi a mascote da casa.
Um dia, há sempre um dia em que o que não queremos acontece, o Jeremias, talvez tomado por uma súbita ânsia de conhecer outros mundos, rastejou sem que dessemos por isso por baixo do portão do quintal que dá para a rua e desapareceu. Ainda o procuramos longamente, rua abaixo, rua acima, mas para tristeza de todos nunca mais o vimos. Ficou apenas a sua recordação para contar esta história.
Ah! Já me esquecia de dizer a quem não sabe: o Jeremias era um cágado e era tudo menos o que a palavra significaria se não tivesse o assento agudo.

1 comentário:

  1. Na realidade foste tu a baptizá-lo. Disseste que era a cara chapada de um tal Jeremias. Beijocas!

    ResponderEliminar