Vá lá saber-se porquê, talvez por mania, talvez por hábito arraigado de muitos anos, todas as noites acerto o despertador para o dia seguinte. É quase um gesto mecânico porque normalmente não necessito de despertador. Deite-me às horas que me deitar chega aquela hora de acordar e desperto. Primeiro, ainda de olhos fechados, começo a pouco e pouco a ouvir os ruídos envolventes de uma casa viva. Um estalar de madeira, o respirar cadenciado da minha companheira, o latido de um cão na rua, o bater da porta de um carro – alguem que teve de saír mais cedo – são o prenúncio da emergência do meu consciente para o novo dia. Através das pálpebras ainda fechadas sinto já a luz do dia que vai entrando timidamente pela janela do meu quarto virada a nascente. É a hora de sonhar acordado.
À rédea solta, num rodopio silencioso, a imaginação vai buscando pontas soltas nos mais recônditos compartimentos da memória, histórias que foram, que poderiam ter sido ou que poderão vir a ser, numa amálgama de passado e futuro. O cérebro está bem desperto, tenho a consciência absoluta que basta abrir os olhos para regressar ao mundo real, à bexiga cheia que exige uma ida urgente à casa de banho ou à dor no braço se me voltar na cama, mas a vivênvia virtual nessa outra dimensão é irresistível. As histórias sucedem-se num tropel sem rumo, envoltas numa bruma de indefinição que não controlo, conjunto de vicissitudes de um eu que observo à distância e no qual não me reconheço.
Os episódios são intensos mas curtos porque, não sei se feliz se infelizmente, chega entretanto a hora do pi-pi-pi do despertador (de há uns anos a esta parte é o telemóvel) e de ligar o rádio na mesa de cabeceira, muito junto ao meu ouvido, o som baixinho, para ouvir as notícias das sete no mundo real.
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