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sábado, 17 de março de 2012

Os curadores de doenças

Fomos visitar a Giulia ao hospital Villa delle Querce, em Nemi. Foi transferida  ontem para a unidade de recuperação motora. Aqui deverá fazer fisioterapia para voltar a caminhar. Dizem que é um centro de excelência. Dizem... mas referem-se apenas à capacidade técnica dos médicos. Infelizmente é mais um daqueles hospitais onde reina a desumanidade dos curadores de doenças.

Desde miúda que oiço falar da prepotência mais ou menos generalizada com que médicos e enfermeiros tratam os doentes e familiares.  Usam o bocadinho de poder que têm para fazer sentir ainda mais frágil quem está já numa situação de fragilidade. Mas ao longo dos anos tem-se feito campanhas de informação para recuperar a imagem pública dos profissionais de saúde. Lembro-me de ouvir entrevistas em que renomados médicos defendiam a cura do paciente como um todo - corpo e alma, ao invés de apenas corpo. Parece que se tinha conseguido finalmente recolher indícios científicos que sustentam aquilo que todas as mães sabem desde o princípio dos tempos: mimos aumentam a rapidez e a eficácia da cura. E visto que até temos bons médicos na família, na minha cabeça a prepotência generalizada dos profissionais de saúde era uma coisa do passado.
Hoje tive um choque frontal com a realidade: em algumas unidades hospitalares, como esta onde está a Giulia, a filosofia vigente não é sequer a da cura do corpo, é ainda pior. Ali curam-se só as doenças. Ontem quando a transferiram ali a Giulia estava animada, finalmente ia começar a recuperação. Bastou uma noite para que hoje se nos apresentasse à hora da visita com uma sombra nos olhos e a expressão carregada do stress emocional a que está submetida.
A falta de pessoal sobrecarrega os turnos das enfermeiras e os procedimentos de assistência aos pacientes adaptaram-se de consequência. Por exemplo, quem entra ali tem que usar fralda. Até aqui tudo bem. O que não está bem é que a fralda venha mudada só quando as enfermeiras têm tempo... Os internados passam horas e horas mergulhados nas fezes e há um cheiro entranhado nas paredes que não deixa margem para dúvidas da maneira como é curado o corpo dos pacientes.  
A mim bloquearam-me à entrada, ia eu toda lampeira com a Adelaide ao colo dar um pouco de conforto à Giulia. "Leve essa criatura daqui para fora imediatamente" grasnou uma enfermeira neurasténica. "A lei estipula que crianças com menos de 12 anos não podem entrar nos hospitais, tem que esperar na rua". "É uma lei italiana?" perguntei eu boquiaberta, sem saber como reagir. "Porquê, no seu país não é assim?" - fez-me como se Portugal fosse terceiromundista... Vexada e de orelha murcha estive uma hora no parque de estacionamento com a "criatura" adormecida ao colo. E ponho-me a pensar que o risco de infecções é uma resposta demasiado fácil para esta suposta lei. Os doentes aqui são tratados como prisioneiros, se não receberem visitas ainda melhor. De vez em quando lá há um que se suicida, tipicamente um velho esquecido - que chatice a má publicidade que dá mas é considerado dano colateral, visto que não mudam os procedimentos. Entretanto entram mais alguns familiares, alguns com crianças pequenas. E ninguém os põe na rua. Raios, pensei, há qualquer coisa que não bate certo aqui. Mas prefiro não fazer ondas, não vá a enfermeira penalizar ainda mais a Giulia. Tal como numa prisão.
Voltei para casa com vontade de encher a Adelaide  de beijinhos e festinhas. Afinal a humilhação não foi só minha. A Giulia telefonou-me a chorar. A Cláudia vai escrever um conto sobre este triste episódio. Ligo o computador e vou à internet para me informar sobre a maldita lei. E afinal o que a lei diz, textualmente, é que crianças com idade inferior a 12 anos só podem entrar no hospital acompanhadas por um adulto. Raios partam a prepotência do estupor da enfermeira. Merecia um bom bofetão (dado anonimamente, que é para depois não poder descarregar na Giulia).
Quanto tempo ainda terá que passar para que os curadores de doenças se transformem em curadores de pessoas?
Abreijos

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